terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Desisto

Há dias em que desisto. Seja como quiseres, como quiserem, como for: que seja.
- Como queiras.
Acabo por chegar à conclusão que não me apetece batalhar mais, dizer que não, que talvez não, que nunca ou que se calhar, lá muito de vez em quando. E apetece-me ficar calado, sem que o meu silêncio diga sim embora saiba que é sim que tu ouves.
- Depois não digas...
Ir à varanda e ver a lua enorme e brilhante, excepto nos países da lua, que são mais escuros mas que mesmo assim ferem a vista e fazem inveja. Passo tanto tempo a olhar para a lua que quando desvio o olhar, vejo a lua na tua cara, nas paredes, no infinito, nas paredes das pálpebras quando fecho os olhos a ver se me livro dela.
- Sai-te, desaparece.
- Desculpa?
- Esquece, não é contigo.
- É com quem então, se não está mais ninguém aqui?
- Esquece, podes?
Se te dissesse, dava-te mais um argumento, mais uma razão, mais uma dúvida razoável, mais um pretexto.
Fui à varanda e voltei, não antes de reparar que a lua está enevoada, como se tivesse acabado de acordar, é mentira, já anda cá fora há horas, afinal, são só as nuvens, poucas, que parecem cortinas finas, daquelas que tenho à janela, só que noutra cor, mais claras, mais transparentes ainda.
- Sabes o que me irrita em ti?
Eu como se não soubesse que por vezes tudo te irrita em mim mesmo quando não estou...
- Vais responder ou é mesmo só para fazer que me incomodas?
A lua arredou as cortinas entretanto e veio dizer que o mar está espelhado, ali em baixo, vês?
- Irrita-me o facto de parecer que nada tem a ver contigo, que nada te afecta, não digas que é mentira, tens dias insuportáveis de tanta indiferença que te sai da pele, dos olhos, da boca calada.
Dias em que não me apetece existir ou existindo apetece-me passar despercebido e leve como as cortinas da lua, mas sem servir à lua, ficar ali só num canto do céu onde não dão por mim, onde estar ou não estar é indiferente, onde a escuridão, palavra da qual não gosto, é mais que muita e por isso, nem uma nuvem sobressai, por mais branca que seja (transparente é que sim).
- Não queres que te responda, pois não?
Não há vento nas árvores, mas há nas nuvens, as cortinas andam depressa, quem sabe se prestam serviço a outras luas que não a minha, a que já foi nossa.
- Já respondeste, mais valia teres ficado calado.
Qual é a ideia afinal de correr tanto, tão depressa, andar a muitos quilómetros por hora para lado nenhum, muitas vezes sem pensar para onde se vai, qual é a ideia, que ideia é essa?
- Até parece que andas sozinho neste mundo, que não tens responsabilidades.
Até certa altura pensava que o céu se forrava de cortinas durante noites inteiras porque a lua faltava ao trabalho, não vinha, não aparecia por não lhe apetecer.
- Até parece...
Depois pensei que nem sempre o mar gostava de ser espelhado. Cheguei a pensar que afinal, era tudo por causa de quem tinha como função, puxar as cortinas e não puxava, só para irritar.

1 comentários:

Desambientado disse...

A ficção é boa e o estilo, cativante..
Parabéns