domingo, 30 de dezembro de 2012

(deixemo-nos de) Tretas

Chegam-se os fins de ano e chegam-se mais perto as memórias do que passou desde que cortámos com o ano anterior e dissemos que “agora é que é” e “é desta que mudo” e “é desta que deixo de…” ou “é agora que começo a…”.

Chegam-se sempre (até mais não ver) os fins de ano e é sempre isto.
Ganhamos momentaneamente novo alento e achamos que temos nova força, uma força revigorada para 365 (ou 6) dias, que nunca se gasta, que tem sempre a mesma força. Uma força sempre cheia de força.
E no entanto, passados alguns dias do dia da força cheia de força, já nos esquecemos da força toda que tínhamos.
Passou-nos. Foi-se.
Força? Qual força?
É deixarmo-nos de tretas e talvez mude alguma coisa. 

sábado, 27 de outubro de 2012

Do alto do meu metro e trinta e seis


Um dia, espreitei para o mar, do cimo de uma encosta com mais de 300 metros.
Senti-me minúsculo.
Experimentei um nível de adrenalina que até então não conhecia.
Não sei, ao certo, que idade tinha.
Sei que era um miúdo.
10 anos?
Não sei.
Com 10 anos, tinha um metro e trinta e seis centímetros de altura.
Minorca.
Hoje tenho um metro e setenta e dois (ou três, dependendo das dores nas costas e no pescoço, causados pelos prolapsos numas tais de vértebras “C” não sei das quantas que tenho nesta coluna que me faz andar na vertical).
Quando me debrucei da tal encosta, atirei pedras que junto a mim eram enormes e que ao cair, foram ficando mais pequenas e mais pequenas ainda, até se transformarem num pontinho branco, lá em baixo, no mar azul dos Açores, aquele azul que até fere quem olha para ele sem saber ao que vai.
Debrucei-me várias vezes no “parapeito” dessa tal encosta.
Sempre com vontade de ali estar, sempre inquieto para olhar lá para baixo.
Era um miúdo.
Hoje em dia, do alto da idade que tenho e dos medos acumulados por ter quase 40 anos, dou por mim, inúmeras vezes, deitado na cama a olhar para o tecto e a pensar “que sorte tive eu: a encosta não desabou”.
Penso nisso muitas vezes, talvez vezes demais.
Incomoda-me, aliás, pensar nisso tão amiúde.
Mas penso.
E tenho saudades do meu metro e trinta e seis.

domingo, 24 de junho de 2012

A formiga despropositada


Sentei-me no chão da cozinha para fumar um cigarro. Um costume da minha mulher, que adoptei.
Vi uma formiga a deambular sem sentido. Para lá e para cá. Uma formiga. Sem objectivos de vida, pelos vistos.
Dizem (sempre ouvi dizer) que as formigas são trabalhadoras incansáveis (nunca acreditei muito nisto).
É ridículo ver uma formiga a deambular, para cá e para, sem parecer saber para onde vai e o que vai fazer de si, da vida.
Irritou-me, a formiga deambulante.
Qual é a lógica, uma formiga sem objectivos de vida, sem propósito (logo, despropositada), uma formiga assim, sem saber para onde vai?
As formigas devem (sempre me disseram) andar para trabalhar, mas esta não. Andava como uma perdida.
Formiga parva.
Matei a formiga.
Menos uma formiga (deambulante) no mundo.
Temos pena.
Ou não.