O Projecto de Decreto Legislativo Regional que pretende legalizar a sorte de varas na região, deu entrada na Assembleia a 24 de Abril (data em que foi também enviado para conhecimento do Governo Regional) e carece de parecer da Comissão de Assuntos Sociais que pode ser dado até 22 de Maio.
Em primeiro lugar esclareço que, enquanto cidadão, sou frontalmente contra a legalização desta prática na região.
Não me socorrendo de argumentos fundamentalistas, entendo que não há razão que justifique a adopção/legalização de (mais) uma prática violenta, num arquipélago que diz querer apostar fortemente no turismo de natureza, um sector onde se inclui obrigatoriamente, o bem-estar animal.
Posto isto, convém ainda referir que não sou jurista nem especialista em matéria de Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA) nem tão pouco domino a Constituição.
Mesmo assim, arrisco dizer que o Projecto de Decreto Legislativo Regional que defende a legalização da sorte de varas no arquipélago, tem fraca sustentação.
Diz o documento, citando o n.º2 do artigo 63.º do EPARAA, que “compete à Assembleia Legislativa legislar sobre espectáculos e divertimentos públicos na Região, incluindo touradas e tradições tauromáquicas, nas suas diversas manifestações”.
Mais uma vez e para não variar, estamos perante legislação e argumentação dúbia.
As competências da região inscritas neste n.º2 do artigo 63.º poderão ser entendidas de várias maneiras: a região pode legislar sobre que aspectos referentes a “espectáculos e divertimentos públicos...incluindo touradas e tradições tauromáquicas”? Sobre todos e quaisquer aspectos? Sobre alguns?
Horários, calendários, temporadas? Ou introdução de novas práticas, incluindo práticas violentas?
O Projecto de Decreto Legislativo, assinado por 26 deputados refere ainda que “deve, assim, considerar-se a especial tradição e cultura tauromáquica que se vive de forma intensa nalgumas ilhas do arquipélago”.
Essa consideração deve ter em conta uma prática que não é tradição no arquipélago? E deve aplicar-se à região, uma prática (violenta) que poderá ser desejo de apenas uma das nove ilhas dos Açores e mesmo assim, poderá não ser vontade da maioria da população dessa ilha (Terceira)?
O documento fala ainda n’”uma afirmação da melhoria da qualidade da lide tauromáquica, o que constitui um impacto positivo considerável nesta manifestação, nas suas diversas vertentes”. A troco de quê?
Por outro lado, se cabe a partir de agora à região legislar sobre “espectáculos e divertimentos públicos na Região, incluindo touradas e tradições tauromáquicas, nas suas diversas manifestações”, isso quer dizer que está aberta a porta para legislar, por exemplo, acerca das lutas de galos ou mesmo de cães? Absurdo? Porquê? Porque há touradas na região e esse é “meio caminho andado” para termos também sorte de varas? E porque não as touradas de morte? Já existe uma excepção nessa matéria em Portugal: quem garante que (mesmo que ninguém pense nesta altura em legalizar tal prática nos Açores) dentro de alguns anos não haja essa “tentação”?
Afinal, não é outra das práticas que, segundo os “especialistas”, “constitui um impacto positivo considerável nesta manifestação”?
Deixo à consideração de quem tiver paciência para ler e pensar sobre o assunto.
Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores
Artigo 63.º
Cultura e comunicação social
1 - Compete à Assembleia Legislativa legislar em matérias de cultura e
comunicação social.
2 - As matérias de cultura e comunicação social abrangem, designadamente:
a)
b)
c)
d)
e) os espectáculos e os divertimentos públicos na Região, incluindo touradas e tradições tauromáquicas nas suas diversas manifestações;
domingo, 3 de maio de 2009
Sorte? De varas??????????
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1 comentários:
Na minha interpretação: do ponto de vista do Estatuto penso que não há muitas dúvidas que a Região DE FACTO PODE legislar sobre esta matéria no sentido que entender. Agora, sim, ao contrário do que acontecia em 2002, em que se limitava a adaptar leis da República.
Agora, o que NÃO PODE COM CERTEZA é violar convenções internacionais das quais Portugal é signatário, nomeadamente sobre o tratamento digno dos animais.
O que NÃO PODE COM CERTEZA é decretar como "tradição" uma prática que nunca o foi e que nada tem a ver com a nossa cultura insular, ao contrário da tourada à corda.
O que NÃO PODE COM CERTEZA é envergonhar desta maneira todos os açorianos em benefício de uma minoritária clientela eleitoral terceirense!
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