quinta-feira, 8 de agosto de 2013

17:14, 19:52 e os minutos assim afiadinhos

O gajo que faz os horários dos comboios é cá dos meus.

Pronto, actualmente não será um gajo, mas de início era de certeza e foi ele, garantidamente, quem instituiu o hábito e a regra que diz “cá nos horários dos comboios não há essas mariquices das horas redondas, dos zero, cinco, dez ou quinze minutos”.
Instituída a regra (por este herói desconhecido, incógnito ser de grande bravura, estou certo), aplicada ao longo de tantos anos com comboios e sem computadores, é mais do que óbvio que a era da informática nada poderia alterar nesta matéria, sob pena de motivar violenta e justa rebelião de desfecho difícil de imaginar.
E pronto, chegámos aos dias de hoje, onde raramente vemos alguém dar a devida e merecida utilização aos minutos (são tantos) que vivem entre os redondos e anafados zeros e cincos (tão poucos) do nosso tempo.
A excepção (não digo que única) vive nos horários dos comboios.
Quem compra um bilhete para as 17:14 acaba por dar conta de que nunca ou muito raramente lhe atribui alguma importância (ao 14, claro).
E quem fala no 14, fala no 52 e nos outros todos.
Menos, claro, nos zeros e cincos.
Deviam dar mais importância a estes minutos afiadinhos.
Vivê-los mais e melhor.
Falar mais deles, sugeri-los como horários para encontros, conversas, vidas.

Das boas.

domingo, 4 de agosto de 2013

Um país apanha-bolisticamente bem-educado

Tenho a ligeiríssima impressão que já li algo sobre isto.

Não sei onde nem quando, nem que abordagem seguiu o seu autor, de quem não me lembro, mas uma coisa é certa: a conclusão, embora escrita por outras palavras, era idêntica.
Temos um povo bem-educado. Na praia.
O ano passa devagar e mal-humorado, cheio de problemas e irritações.
Filas no trânsito, buzinadelas, bichas interminavelmente longas e esguias, palavrões, toques, empurrões mal disfarçados e chatices, muitas chatices.
Depois chega o verão e o povo, aos magotes, vai à praia.
E chegado à praia, transfigura-se.
Acreditem.
Façam a experiência: vão à praia e levem uma bola.
Joguem à bola e deixem-na, voluntária ou involuntariamente, escapar.
Garanto-vos que à vossa volta está um povo com forte queda para apanha-bolas.
Simpáticos, sorridentes e orgulhosos apanha-bolas.
Gente que num pequeno momento, incha de orgulho e enquanto devolve e não devolve a bola, transparece nas faces uma expressão de “vê o quão simpático, solidário, sorridente e bem-educado eu sou?”.
E segue a sua vida, embora sempre pronto a dar mais um passinho ou dois, desviando-se mesmo do caminho inicialmente traçado, para devolver a bola uma segunda vez e desta, acrescentando um ar de compreensão superior.
Isto passa-se na praia.

É pena que o que se passa na praia, fique apenas pela praia.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Crónica do "é o que há"

Silva chegou à sala e disse (depois de muito falar):
- Rapazes, vão ter que brincar juntos durante um ano!
Os três rapazes da primeira fila escancaram as bocas em silencioso uníssono, enquanto os 10 milhões (exagero, é certo) que actualmente constituem a sombra do que já foram, irromperam num burburinho de exclamações envergonhadas, sendo que pelo meio foi possível descortinar uma série de interjeições e atoardas que não irei aqui (e agora) relatar.
Antes de qualquer outra reacção da parte dos rapazes, Silva reforçou:
- É só um ano. Nem precisam brincar, mas ao menos vão ter que fingir! É só até às visitas irem embora!
- Viste o que fizeste? Viste? – disse Coelho, olhando indignadíssimo para Portas.
- Eu já disse que só brinco sozinho! - advertiu, quase ao mesmo tempo, Seguro.
- Mas nós arranjámos um arranjinho arranjável! – bradou Portas, após ter rosnado baixinho um “logo agora que eu tinha conseguido, à força, convencer o outro…”.
- Eu não volto atrás: já disse que só brinco sozinho, porque é sozinho que eu sei que sei brincar! – insistiu Seguro.
- Oh homem, faz como eu: não voltava atrás, não voltava atrás e vê lá tu bem onde estou (ou pelo menos julgava que estava)! – aconselhou Portas a Seguro.
- E eu que ganhei isto há dois anos, como é que fico? Com estes dois às costas? Parece impossível! – rugiu Coelho (estranha imagem esta, um coelho a rugir).
- Não brinco, já disse – sentenciou Seguro – quero ver agora o que é que o senhor Silva faz! Não brinco, não brinco e não brinco! Em conjunto, nem pensar!
- Vocês não me apertem - disse Silva, meio em jeito de ameaça, meio em jeito de não saber o que dizer mais…
- Como estavam, não ficam, porque desataram às demissões. Como propuseram, não ficam porque agora quem não quer, sou eu. E como queria Seguro, também não quero, porque não. Agora, ou é como eu quero ou…
- Ou? – indagaram os três rapazes numa voz só.
- Ou?
- Ou o quê? – perguntou Silva.
- Hummm, onde é que eu ia, mesmo? – disse, com arpejos senis…

sábado, 19 de janeiro de 2013

O poder do capital

Fui às compras.
Passei na prateleira da fruta e olhei para as uvas.

Uma das uvas olhou para mim e disse-me “não me compres. Tu nunca gostaste de mim.”
Tinha 10 cêntimos perdidos num bolso e comprei a uva.
Cheguei a casa e pus a uva em lugar de destaque na cozinha.
Agora olho para ela, de quando em vez, só para vê-la apodrecer.

Os nomes da educação

Sentado numa esplanada a ler o jornal, dou por mim a ser auditivamente vandalizado por uma irritante criancinha aos berros e aos saltos e pelas advertências éticas e morais da sua interveniente ( mas sempre sentada) mamã: "oh Martim" isto, "oh Martim" aquilo.

Alguém, num qualquer ano que passou estando eu possivelmente distraído, noticiou que aos filhos basta chamar-lhes Martim, Afonso ou qualquer coisa do género, para garantir a boa educação?